quarta-feira, 2 de março de 2022

6 meses sem Nina

Eu deveria ter lhe dito que eu não poderia lhe acompanhar nesse último passeio. Ainda me dói, como se eu tivesse lhe traído. Eu lhe enviei para uma jornada desconhecida, sozinha.

Queria ter lhe dito tanta coisa. Avisado que era por muito amor que eu estava fazendo você partir. Que era porque não conseguia assistir a sua dor e essa foi a única saída que me deram. Eu tentei. Lutei por meses para que você se recuperasse. Acreditei de verdade que teríamos mais tempo.

Mas não tivemos. Nosso último dia passei abraçada a você no chão de uma sala do hospital. As crianças brincavam ao nosso redor, daquele jeito barulhento delas, alheias ao que se passava. Com o correr do relógio, seu oxigênio foi acabando e quando ele chegou ao fim, eu sabia que era nosso adeus.

Sinceramente eu não lembro se disse que lhe amava o suficiente. Era tanta dor, tanto desespero. Eu queria deixá-la tranquila pois na sua inocência, você confiou sua vida em mim, e eu, esse monstro cruel que eu não perdoo, autorizei terminá-la.

Por mais que me digam que era a minha única saída. Por mais que tentem me convencer que era o melhor para você, por mais que eu saiba que não teria mais a minha Nina como antes, eu ainda não aceito que era a decisão correta.
 
Eu deveria ter lhe dado o seu tempo. Eu deveria ter mudado para o hospital e ficado lá com você. Amor da minha vida, me perdoe, pois eu não consigo fazer isso por mim.

Dizem que o amor mata. O meu amor imenso por você tirou a sua vida, interrompeu a nossa jornada. Eu não pude mantê-la comigo e agora eu não sei para onde voce foi. E como eu queria saber onde voce está, se você está bem. Pra amenizar a minha culpa, pra me dar uma desculpa de “ter sido melhor assim”.

Não houve um dia desses tristes seis meses que eu não tenha chorado a sua ausência. Não há um momento do meu dia que eu não deseje ensandecidamente ver voce na sua caminha, ter voce no meu colo, abraçar voce e sentir seu calorzinho gostoso, cheirar suas patinhas de fandangos.

Parte minha (que enlouqueceu com a sua partida) faz isso. As vezes me pego abraçada ao seu cobertorzinho, ou cheirando o restinho do seu shampoo que escondi no armário do meu banheiro.

Já se foram seis meses desde nosso último sábado. Eu ainda não tive coragem de abrir a caixa que guarda a sua urna. Mesmo que você não saiba, você ainda dorme embaixo da minha cama e eu penso que lá é o único lugar que você deveria estar.

Desisti do ritual que iria fazer para me despedir de voce. Sigo em negação, te chamando quando estou sozinha, precisando desesperadamente do seu amor incondicional.

Você sempre foi tudo pra mim. A minha coragem pra sair da cama e enfrentar o mundo, a minha vontade de caminhar por florestas e bairros, a pessoa que acalmava meus medos e terrores, a minha alegria de viver. 

Eu sei que é errado e até irresponsável da minha parte por tanto peso e responsabilidade em você. Eu, que já perdi muitos filhos caninos deveria estar melhor preparada para a nossa despedida. Mas eu quis me iludir e achei mesmo, do fundo do coração que tudo daria certo e ainda teríamos algum tempo pela frente.

Pensei que o tempo fosse amenizar essa dor. Na verdade, contei com isso. Mas acho que pra um amor tão grande o processo é bem mais lento. Eu tenho que me mostrar forte pois as crianças também sentem terrivelmente a sua falta e me ver chorando pelos cantos não é lá muito saudável pra infância deles.

Assim, choro sozinha a sua falta. Na esperança vã de que um dia essa dor se esvaia por entre lágrimas e meu coração consiga um alento.

A vida, que já não era fácil, parece tão mais difícil sem você. Quando a sua luz se apagou eu fiquei na escuridão, e honestamente eu não quero sair daqui. Não sem você. Mas sou obrigada a seguir vivendo.

As vezes tenho a impressão que você vem me visitar. As vezes, minha mente enleada me prega peças e eu acho que vi um vislumbre seu, ou penso ter ouvido você me chamar. Ilusões…

Sobra a esperança de um dia lhe reencontrar. Eu me agarro nessa ilusão como você segurava seu ossinho. Até lá meu amor, eu vou tentar ser o humano que você acreditou que eu poderia ser, e tentar fazer o mundo um pouco melhor, usando o que você me ensinou.

Eu vou seguir te amando daqui. Para sempre.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Banho Quente


Desde que me entendo por gente lembro de sentar no chão do banheiro enquanto minha mãe tomava banho. Era quando conversávamos sobre o dia e nossos dilemas cotidianos.

Lembro de reclamar que a água estava muito quente, que faria mal para a pele dela. Lembro de querer que ela desligasse a água, para evitar o desperdício, ao que ela me respondia “só mais um minuto”, ou então “conta até dez (devagar) que eu já desligo”.

Hoje meu dia termina num banho escaldante (e recebo as mesmas críticas sobre o “fazer mal para a pele”… só sorrio… e peço mais um minuto). Minha mãe sempre me disse: quando você for mãe você vai entender. Eu sempre pensei que ela estava me rogando algum tipo de praga, para me punir por eventuais más condutas. Mas não… ela apenas atestava a minha total ignorância.

Agora eu entendo o banho quente… que traz um conforto a essa solidão que se instala quando tornamo-nos mães. Solidão essa seguida de medo. Não que eu esteja sozinha (por Deus, com duas crianças pequenas eu bem que queria uns momentos só meus!). Não é esse tipo de solidão…

Refiro-me a esse peso que vem com a maternidade, essa responsabilidade enorme que literalmente sentimos nos ombros, a incerteza, a insegurança de estar fazendo as coisas certas, as escolhas certas. Essa dualidade de querer respirar e ao mesmo tempo sentir saudades.

Toda essa pressão só se dissolve com um banho bem quente, que traz algum conforto, como um abraço antes de dormir para permitir mais um dia, mais uma batalha, nessa vida que segue mesmo sem querermos, que não espera a gente acabar de ler as regras, mesmo por que não há regras. Há sua intuição, baseada em milênios de vivências anteriores, filtradas por tentativa e erro e repassadas imediatamente pelas mães, guardiãs da humanidade.

A vida vai passando e a sensação que tenho é que estou sempre atrasada, sempre correndo atrás. Acho que nunca vou alcançar esse trem. Vou viver cansada, recarregando energias para o próximo dia nos meus banhos quentes. 

PS: Passei um ano inteiro sem postar??? OMG!

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

O Segundo Filho

Cá estou eu, de volta ao setor de obstetrícia da policlínica. Nunca pensei que voltaria a frequentar esses corredores.

Um segundo filho sempre foi uma interrogação para mim. Não consegui me posicionar a respeito. Parte de mim ainda acalentava o sonho de usar aqueles dois vestidinhos que comprei em Macau (quando ainda grávida do Ryan). Outra parte entrava nos sonhos de mulheres próximas, que realmente queriam mais um bebê. Mas foi só quando me descobri grávida de novo que percebi que filho único era o que eu realmente queria.

Não foi suave aceitar esse presente. Sofri, chorei e passei mal como nunca antes. Agora, já no segundo trimestre é que sintomas e pensamentos se acalmaram.

Aqui, cercada de grávidas, pela primeira vez consegui me ver mãe de dois. Na espera por descobrir se serei mãe de mais um menininho ou vem aí uma garotinha, consigo sorrir. Se eu recebi esse presente, devo ser grata e agora concentro força e pensamento para que esse serzim seja perfeito, forte e saudável.

PS: It's a girl!!!

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Deserto

Amanheceu nublado, os quartos estão mais escuros mas ainda há luz. 

 Eu ilusiono uma tempestade se formando no horizonte.  

Abro a janela na esperança de uma brisa fresca, quase fria, mas um bafo quente me abraça... úmido, grudento. 

Fecho a janela, ligo o ar e lembro que aqui não chove, nem refresca.

sábado, 6 de agosto de 2016

Não há lugar como nossa casa

Cheguei a conclusão que não importa muito quantos dias fique por aqui, nunca será tempo o suficiente para matar as saudades que machucam tanto. Dessa vez foram quase dois meses e ainda assim, mal vi as pessoas mais de uma vez.

Foi bom voltar. Foi bom demorar para escrever. Foi bom passar esse tempo mais longo para poder me reconectar com minha terra natal. Foi bom me reencontrar.

Lá fora é fácil “esquecer” de ser brasileira. Olhar tudo sob a ótica européia e até, confesso, com um certo ar de superioridade. De longe é fácil enxergar os defeitos e a ausência cimenta preconceitos que por vezes nem são tão meus (ou nossos, referente a quem mora fora). 

Passar quinze dias por aqui só alimenta esse sentimento, pois afinal, 15 dias são visita, mais um turista em terra brasilis. Mas quase dois meses… daí se volta a ser brasileiro, já que se vive como brasileiro novamente.

Em dois meses fui a bancos, mercados, médicos, restaurantes, comércio em geral… peguei estrada, paguei pedágio, assisti jornal e novela, comi arroz com feijão, conversei muito com estranhos e eu admito que cada dia me enchia de alegria, tal como um bichinho que reencontra seu bando. Aqui, todos me entendem. Não há tradução truncada, não há diferença cultural… todos seguem a mesma lógica ilógica inerente a nós, brasileiros.

Quando lá fora eu costumava dizer que “o problema do Brasil são os brasileiros”. Retiro o que disse e agora me junto ao coro daqueles que defendem nosso povo como maior riqueza. Brasileiros são tududibom. Prestativos, solidários, amigáveis e principalmente, felizes. Há sempre um sorriso sincero (e não aquela coisa forçada que soa como “por mais dois dólares, senhora”).

Viajar com um bebê não é mole, mas aqui eu nem preciso pedir ajuda. É fila preferencial, atendimento prioritário, gente ajudando com malas e brinquedos voadores (atirados pelo Ryan, obviamente), alguém com um bom papo para me ajudar a distraí-lo. Isso não existe lá fora. Pra exemplificar, no aeroporto de Amsterdam eu, que estava carregando o R nos braços pedi ajuda para um funcionário do lugar só pra colocar minha mala grande no carrinho e ele se negou dizendo que estava ali tão somente para empurrar a cadeirante. Eu fiquei pasma (mas xinguei muito)!

Com isso, não digo que somos perfeitos, mas vejo que temos salvação. Desembarcar no Rio trouxe um sentimento duplo, já que ao mesmo tempo que me envergonha aquele aeroporto no estilo rodoviária, com instalações precárias e total desordem (e me dá raiva os banners dizendo quantos milhões foram gastos em coisas que não vi), por outro tinha o calor dos funcionários, que talvez nem vejam o quão ruim é aquilo ali, mas sempre tentam de alguma forma ajudar.

O jeitinho brasileiro, as gambiarras… são sim importantes e úteis, mas talvez, se andassem par a par com uma forma mais holandesa de pensar (direta e reta), conseguiríamos sair do caos que nós mesmos criamos.

Falta sim muita coisa. Atendentes em geral parecem ter memorizado uma forma de tratamento, o que já é um começo… contudo um tiquinho mais de profundidade no que se faz, de realmente conhecer setores, empresas, regras e procedimentos salvariam horas de enrolação. Precisamos aprender a ser mais eficazes e auto-suficientes. Irrita-me essa mania de por babás em todos os lugares (para senha do banco, para formar fila…). 

Eu gostaria de resolver minhas coisas sozinha, como faço aqui fora. Esse excesso de atravessadores só atrapalha (precisei ir no banco cinco vezes pra abrir uma conta e só consegui depois que passei por cima das meninas da senha).

Ao mesmo tempo me pergunto como um brasileiro comum poderia saber disso? De que há outras formas de resolver problemas, de que é possível pensar claramente? Nós não temos a facilidade dos europeus de cruzar fronteiras e conhecer culturas antigas. Estamos cercados por países irmãos na forma de pensar e agir. Não há uma troca produtiva nesse sentido.


O brasileiro conhece o mundo através da tv. E essa tv é péssima. E sim, esse texto termina assim mesmo, aberto para reflexão.